Memórias de um parto!

Quero escrever porque não quero esquecer nunca mais cada detalhe, cada voz, cada palavra desse(s) dia(s) tão especial.

PARTE TÉCNICA

Vou começar com a parte técnica: tive um parto normal pélvico.

Tradução, o bebe nasceu sentado, bumbum primeiro, cabeça por ultimo, sendo que o comum é nascer de cabeça primeiro.

O bebe geralmente vira para baixo entre as semanas 28 a 32, depois disso pode acontecer de girar mas é pouco comum em uma primeira gravidez, ja que os músculos do abdomen da mulher são mais firmes. Em subsequentes gravidezes, é mais comum o bebe girar até o final.

Em muuuuuitos países (Brasil, Singapura, Irlanda) não se faz parto normal pélvico por receio de complicações. No Brasil, por exemplo, todos entraram em pânico quando disse que aqui tentaria parto normal. Inclusive a ginecologista do Brasil que fez meu acompanhamento online, me garantiu que no Brasil seria cesárea por ser pélvico e me recomendou não tentar parto natural. 😦

Acredito que tenham médicos em todos os países que fazem o parto normal pélvico, mas tem que caçar um. Aqui a minha doula quem recomendou um médico que faz parto normal pélvico e esse obstetra foi firme e tranquilo que faria e não via problemas.

Porque é tão tabu? Pelas minhas pesquisas:

  1. Só uns 3-4% dos bebes não giram. Logo esse tipo de parto é menos comum.
  2. Precisa de condições ideais para evitar riscos. (tamanho do bebê, placenta, tamanho da cabeça, etc)
  3. Uma vez que a norma é cesárea para pélvico, os médicos deixam de ter experiência para fazer parto normal e só aceitam cesária criando um ciclo vicioso.

Quais sao alguns dos riscos?

  1. Como sai primeiro o bumbum, as vezes, ele pode sair mesmo antes da dilatação estar completa e a maior parte é a última a sair, a cabeça. Daí se a cabeça entalar, o corpo todo já está para fora então não tem nada para empurrar, logo, se algo de errado, o plano B é fazer epistomia e/ou usar forceps.
  2. Se a bolsa estourar, pode ser que uma parte do cordão saia primeiro, dai é direto cesárea já que o bebê perde o fluxo de oxigênio se pressionar o cordão.

Porque eu decidi tentar parto normal?

O mais importante foi o médico me dizer que dava (e com tranquilidade e confiança) pois atendia todas as condições (entre outras, o bebê não é mto grande nem mto pequeno, cabeça tamanho normal, placenta na posição X, etc…) e ele estava confiante de fazer o parto. Outra coisa é que aqui na Espanha, o médico que quer fazer parto normal pélvico TEM QUE fazer um treinamento especializado. Ou seja, não é qualquer médico que pode fazer.

É preciso confiança na sua decisão e no médico, porque 100% das pessoas que comentei que o bebê estava sentado achou que só daria para fazer cesárea. Inclusive a enfermeira e a pediatra do hospital. Entende que não é mesmo comum, mas dá pra fazer?

Confiança no médico, na doula e na sua decisão.

Parte tecnica explicada ….

SENTA QUE LA VEM HISTÓRIA

Eu li o livro da Ina May sobre partos naturais (Guide to Childbirth) e todas as técnicas que ajudam na hora do parto e eu tinha 2 grandes medos: me cortarem (epistomia) ou eu rasgar. Então fui com muito foco em lembrar de coisas que ajudassem a me dilatar naturalmente e que fossem o mais naturais possíveis.

Uma das memórias mais legais foi conseguir ter um clima descontraído na sala de parto, com as pessoas rindo, conversando, apostando no sexo do bebê e hora que iria nascer, música no fundo para cantar nos intervalos das contrações e palavras calmas e positivas de todos ao meu redor. Essa é a memória que quero guardar pra sempre!

Mas vamos do começo, na terça-feira durante a noite começaram as minhas contrações e já nessa primeira noite eu acordava a cada 15 ou 20 min e sentia uma dor de cólica mediana que eu conseguia aguentar só controlando a respiração ainda deitada. Levantei poucas vezes para andar durante a contração para aliviar. De uma forma geral foi OK e já de manhã escrevi para Kay (minha doula) que me garantiu serem contrações de pré parto. Que poderiam ir e vir durante dias. Nada para me preocupar, só anotar no app a frequência e mantê-la atualizada se as contrações evoluem ou param.

De fato na quarta tive 4 ou 5 contrações durante o dia todo. Consegui até dormir a tarde.

A Kay já tinha me avisado que a noite provavelmente voltariam, e assim foi.

Na noite de quarta para quinta, as contrações vinham em intervalos de 15 – 20 min mas as dores já eram bem mais fortes. Eu não conseguia mais ficar deitada quando vinha uma contração e tinha q ficar de pé, andar ou apoiar na parede e concentrar na respiração para poder canalizar que a dor estava vindo para abrir os caminhos e deixava ela vir lá em baixo no meu cervix para abrir. Cheguei a tomar um banho de banheira as 3 da manhã que ajudaram muito a diminuir a dor mas uma ou outra contrações foram mais fortes e eu tive medo do que ainda vinha, já que não estava ainda em trabalho de parto.

Durante o dia as contrações não cessaram como no dia anterior mas como eu estava ativa andando, quando vinha, eu parava e concentrava e deixava a dor fazer o papel dela.

Já na noite da quinta para a sexta as contrações eram tão fortes que eu não conseguia de jeito nenhum ficar deitada durante as contrações. Quando eu acordava sentindo que uma contração estava vindo eu TINHA que me levantar e andar ou apoiar na parede, respirar e ficar rebolando para aguentar. Nessa noite já comecei a fazer os ruídos que ajudam a dilatar (lembra do livro que comentei no começo do post, então!) como se fossem gemidos de sexo.

Foi assim a noite toda e depois de 3 noites mal dormidas eu estava exausta. A doula falou: “Você tem que dormir e descansar para estar forte na hora do parto. Hoje, entre uma contração e outra ou você está comendo ou dormindo.” E assim foi. Eu tava tão cansada que quando uma contração terminava (era quase milagroso como passava do nada e parecia que nada estava acontecendo) eu sentava no sofá e dormia imediatamente por 8-10 min até a próxima contração.

Aí uma hora eu me liguei que quando eu dormia, as contrações vinham mais espaçadas e quando eu ia no banheiro ou no quarto, elas vinham com menos espaço. Daí eu decidi andar e fazer elas virem logo para começar o parto. Já aí, as dores eram MUITO fortes e quando elas vinham eu só podia ficar de pé, mãos na parede, gemendo e dizendo para a dor: vai… desce… vai lá para baixo e faz o seu papel de abrir os caminhos.

As vezes eu pedia para o Hi segurar minha barriga mas de uma forma geral eu não queria que me tocasse.

Uma hora eu falei com a doula e ela disse que ainda não estava com o ritmo de 1min de contração a cada 5 min e ela pediu para eu tomar um banho quente e conversar com ela depois de 30 min. O banho ajudou muito já que a água quente alivia um pouco da dor. Eu sentada na bola e o Hi me molhando para eu relaxar e ficava de pé, apoiada na pia, quando vinha uma contração. Decidi que depois do banho eu iria para o hospital porque já estava começando a anoitecer e eu não podia nem imaginar passar uma noite a mais com as contrações fortes como estavam.

Eu ainda achando que eu estaria com poucos centímetros dilatada. Avisamos a doula, pegamos as coisas e fomos para o hospital.

O caminho do carro foi uma das coisas mais difíceis de aguentar. Eram 15 min de carro e tive 3 contrações que pareciam que meu corpo ia rachar no meio. Sentia como se fosse um exorcista me contorcendo e gritando dentro do carro. A gente chegou no estacionamento e eu disse pro Hirochi que se o carro não tivesse estacionado eu ia sair do carro e ficar de pé no meio do estacionamento gritando. Foi o tempo dele parar o carro e eu sair e apoiar (no carro todo imundo) e ter mais uma contração.

No elevador tive outra, na recepção mais uma e daí me mandaram uma pessoa com cadeira de rodas para me levar. Sentei por 2 min e quando a contração veio eu gritei para parar, me levantei e ainda no MEIO da recepção, me apoiei na pilastra e fiquei lá gemendo e rebolando! Eu até tinha consciência de onde tava, de ter muita gente ao meu redor e de saber que o Hi estaria com vergonha mas não tinha espaço para pensar em fazer outra coisa.

E pior que ao invés de me mandarem para a sala de parto, me mandaram para a sala de monitoramento do batimento cardíaco. Chegando lá a enfermeira pediu para eu deitar para monitorar o bebê e eu me recusei terminantemente a deitar. Eu sentia que ia rachar se ficasse deitada. Nada do médico e eu lá na parede rebolando e gemendo.

E todo mundo que encontrei no caminho me dizia “mas o bebê está de bunda pra baixo, você que ir pra sala de cesárea” e eu dizia SÓ CHAMA O FUCKING MÉDICO, PELOAMORDEDEUS!

Quando o médico chegou, ele me viu e disse “nossa, mas você parece bem agitada” e eu disse que eu PRECISAVA de uma anestesia epidural. Ele me pediu para deitar para ver a dilatação e eu deitei e ele me disse “quer uma notícia boa ou uma melhor? Você já está com 10 centímetros. 9, vai.” Eu nem entendia o que ele tava falando. Eu “Ótimo, alguém me dá uma epidural?”

Me vem de novo com a cadeira de rodas e eu disse, EU PRECISO ANDAR SE NÃO VOU RACHAR NO MEIO. Fomos bem devagar, parando para cada contração.

Chegamos na sala de parto e eu pedi epidural pelo amor de Deus e ele me deram super rápido e eficiente mas no meio da epidural veio uma contração (óbvio) e foi de longe a pior contração. Aguentar uma contração sem levantar e nem se mexer parecia uma sentença de morte! Mas a enfermeira super fofa me disse, agarra em mim e aperta com força. E assim foi, consegui respirar e ficar imóvel durante essa contração.

Mas aí logo a epidural funcionou e a vida ficou MUITO mais colorida. Daí entrou o médico e o Hi e me disseram que a doula não poderia entrar por causa do Covid e eu só pensava “não, eu não quero ter um parto só com dois homens. Preciso de uma mulher.”

Só sei que uma hora a Kay conseguiu entrar e eu agradeci ao médico e ele disse que era mérito dela. Fiquei feliz e relaxei por quase 3 horas, acho que até dormi!

Daí a enfermeira veio e disse que ia colocar ocitocina para me dar mais contrações e eu disse que não queria. Ela insistiu que era normal e padrão mas eu recusei e ela disse que tudo bem, mas ia ver com o médico.

O médico voltou e disse que as contrações diminuíram e que não estavam voltando e deveríamos induzir mais contrações. Me deu a opção de ocitocina ou de estourar a bolsa, mas ele calmamente me explicou que como ele tinha sentido um pézinho além do bumbum, ele não recomendava estourar a bolsa porque poderia sair um pouco do cordão antes e daí teríamos que fazer uma cesárea. A doula me confirmou que como eu já estava toda dilatada e com anestesia, ela achava que seria OK colocar ocitocina.

Me senti um pouco sem opções e no fundo eu sabia que ambos (doula e médico) também queriam que o parto não se alongasse por mais horas e horas a fio. Cedi e aceitei a ocitocina.

A principio colocaram 6mg (que segundo a doula já é mais que o que se coloca em outros hospitais) e aumentaram para 12mg dentro de 30 min. Daí comecei a sentir dores do lado direito do corpo quando vinha uma contração. A epidural não tinha sido bem colocada e só pegou do lado esquerdo. Aumentaram a dose da anestesia, virei de lado para pegar direito e passou, mas até lá eu sentia todas as contrações do meu lado direito e pqp… como dói.

Uma vez que pegou a anestesia o médico veio examinar, me perguntou se eu sentia vontade de empurrar e eu não sentia. Disse que em meia hora começávamos a empurrar para ter certeza que a anestesia estaria 100%.

Ele voltou com toda a equipe (Já qu era um parto pélvico e que eles tem q estar preparados para um plano B). Ergueram minhas pernas e me avisaram quando vinha a contração para eu empurrar. Logo que comecei a empurrar todos começaram a rir e comentar que minha bolsa, que ainda não tinha estourado, estava parecendo uma bexiga de água pronta a estourar na cara. Me trouxeram um espelho para ver e realmente era bem engraçado a bexiga saía e voltava conforme eu empurrava. Até o médico ficava com a mão na frente e sem sentar para não estourar nele.

Finalmente ela estourou com um bom splash e o médico se sentou para fazer o parto. Como eu estava anestesiada e tínhamos o intervalo entre uma contração e outra sem fazer nada, pedi para o Hi colocar uma música e ficamos conversando e apostando se seria menino ou menina. 🙂 Também, como começamos a empurrar as 11pm, fizemos uma aposta se ele nasceria no mesmo dia ou já no dia seguinte.

O clima era muito descontraído, com conversa, cantando uma música e esperando a próxima contração. Sem dúvida um momento de paz e trabalho para ser lembrado para sempre.

Empurrei por 1 hora e saiu primeiro o pé esquerdo, depois a bunda – a essa altura eu falei para o Hi vir para perto da minha cabeça, porque se eu estava fazendo todo aquele esforço, ele não seria o primeiro a saber o sexo! haha – e por fim saíram os bracinhos e a cabeça!

Ele saiu de mim e já veio direto para o meu colo e 1 segundo depois chorou. Fiquei em êxtase de ver aqueles olhinhos puxados me olhando, respirando e chorando… tanto que me esqueci de ver o sexo. Quando perguntei, me disseram para descobrir por mim mesma colocando a mão no meio das perninhas.

Foi quando encontrei o saquinho, disse para o Hi – que também não sabia ainda – “Amor, nasceu o Kai!”

O médico me avisou q tiraria a placenta e me deu um hi-five pelo bom trabalho. Eu mal entendia o que estava acontecendo ao meu redor, só tinha energia e concentração para ele, meu menino. Me deram um ponto interno por um rasgo mas eu nem consegui absorver isso.

Não sei quanto tempo fiquei com ele lá, todo cheio de vernix – a meleca que ele tem na pele quando sai – chorando e se acalmando e olhando tudo ao redor. Pediram para tirar ele para pesar (3.010 kg) e depois disso ele não saiu mais do meu colo.

Me levaram para um quarto e lá dormimos a noite toda. Ele em cima do meu peito, peladinho e eu acabada num sono profundo mas feliz de ter esse pesinho em cima de mim.

Fim do meu parto, começo de uma semana de muito aprendizado, muito medo e de uma montanha russa de emoções.

Leave a comment